O livro "na língua calcinada" é um livro que se faz em tradução: não só entre o iídiche e o português, mas entre conceitos não necessariamente opostos entre si, como natureza e morte, memória e futuro, sobrevivência e suicídio. A mística judaica também assume papel preponderante, sendo veículo de expressão do corpo, bem como do gênero e sexualidade queer - que aqui aparecem desterrados, como a própria língua iídiche, calcinada.
queimo minhas mãos e não
percebo queimo minha
boca e também não percebo
apenas depois sinto a bolha
a úlcera entalhada pelo fogo
ou pelo calor que emana dos objetos
tal como as lâminas e as palavras
que mal noto o quanto cortam
às vezes rasgam mais ou menos fundo
fazendo com que o sangue escorra
aos borbotões ou em gotas tampouco
sinto o sabor acre ou doce
das toxinas que sutilmente
paralisam meus sistemas e ´órgãos
ou ainda como as memórias
de todos os mortos que eu
vi morrerem ou tive nas mãos
quando davam o último suspiro