palavras como magia: uma ferramenta para combater a intolerância e a brutalidade
- demoniaeditora
- 1 de fev.
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Mais ou menos 10 anos atrás eu tinha uma coluna num site de literatura, o Posfácio (antes Meia-Palavra). Eu escrevia, claro, sobre literatura. Mas enredava ela em outras tramas: ditaduras, golpes de estado, política, censura, etc. Também falava muito sobre línguas e sobre tradução. O nome da coluna era ‘esquizofrenia progressiva’, um diagnóstico muitas vezes usado na URSS para seus dissidentes.
Não lembro nem quando nem porque parei de escrever a coluna. Talvez tenha sido só a falta de tempo e o caos que tomaram conta da minha vida (na época que parou eu fazia o mestrado em Florianópolis e trabalhava em Curitiba, fora frequentes viagens a São Paulo). De lá pra cá, muita coisa aconteceu: entendi que a Arendt é uma liberal safada, passei a ter menos simpatia pelos dissidentes da URSS e, claro, transicionei.
Não parei de fato de escrever em momento algum, publiquei inclusive um livro neste ano. Mas acho que basicamente escrevi uma poucas coisas acadêmicas (a dissertação e mais um ou dois artigos, e já faz tempo) e bastante poesia. Mas nunca mais tinha escrito nada nesse formato… ensaístico, quiçá? De opinião?
Pois calha que bem no yorzeyt (o termo é iídiche e designa o aniversário de morte de alguém) de Leslie Feinberg eu estava contando para Mercuria sobre esse período da minha vida, sobre com escrever no site era recompensador de várias maneiras, e elu me sugere voltar a escrever. Uma espécie de coluna para a demonia editora.

Eu hesitei, tive certa preguiça, mas cá estou eu. E devo isso a Mercuria e Leslie Feinberg, não só pela coincidência acima. Também porque Mercura é uma pessoa que eu amo e me inspira na vida e no trabalho, além de ser a grande responsável por fazer essa editora existir. Ela quem tem feito boa parte do trabalho pesado por aqui. E tinha dois livros que eu queria muito publicar quando começamos a editora: “Nascimento e anos tardios”, de Irena Klepfisz (eu devo falar mais a respeito em outra ocasião) e ‘devoção’, da Mercuria, que ainda não tinha nome e nem muita forma na época- mas eu lera o livro anterior dela, “Tudo que fiz fiz com esse corpo” e sabia que se fosse pra eu ter uma editora de novo, eu tinha de publicá-la.
Quanto a Feinberg, eu tenho pensado muito nelu nos ultimos tempos. Judie de classe trabalhadora, comunista, trans. Seu “Stone Butch Blues” é um de meus livros favoritos, e foi responsável por me lançar a um certo estado de confusão, do qual devo falar outra hora, mas a que sou muito grata. Feinberg usava diferentes pronomes em diferentes contextos, adotando posteriormente o uso de pronomes neutros (zie/hir em inglês, ao invés do costumeiro they/them). Inclusive a sensação de desamparo que os relatórios dos agentes do FBI que investigaram Leslie entre 1974 e 1976, é um dos meus episódios favoritos da cisgeneridade sendo a cisgeneridade.
Leslie era muito cuidadoso com as palavras, que para elu eram ‘uma ferramenta para combater a intolerância e a brutalidade’. Isso é uma das coisas que me faz escrever. Da mesma forma eu aprendo com Mercuria que todas as palavras são magia, capazes de alterar a realidade de alguma forma. E é sob essas égides que eu volto a escrever, provavelmente quinzenalmente.
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